sábado, 23 de setembro de 2006

Os tigres e o morango...

Uma história que li em tempos e que me ficou gravada na memória. Escrevo-a como me lembro dela.

Um homem caminhava por um prado de erva alta quando se defrontou com um tigre. O súbito pânico deram forças ao homem para correr como nunca tinha corrido na vida. Atrás dele corria o tigre num trote quase gozador como o predador brinca com a presa. O homem desesperado corria, fugia com toda a força que podia ouvindo o tigre a arfar atrás dele. Uns poucos metros à frente parou. Parou não porque lhe faltassem as forças, mas porque se viu à beira de um precipício. O tigre parou também olhando para o homem, percebendo que a presa não tinha para onde fugir. O homem desesperado media e avaliava as suas opções. Ou era mestre da sua vida e atirava-se pelo precipício, ou deixava-se comer pelo tigre. O destino era o mesmo: a morte.

Ao olhar novamente para o precipício o homem apercebeu-se de uma planta à sua beira e quando olhou percebeu que era uma trepadeira e que talvez suportasse o seu peso. O tigre, pressentindo que estava prestes a perder a presa, avançou determinado. O homem pressentindo a sua falta de tempo atirou-se a trepadeira um segundo antes do tigre o conseguir agarrar. Acima do homem rosnava o tigre, arrependido de não ter avançado antes enquanto o homem dava graças aos deuses por o terem poupado. Olhou para baixo observando que a trepadeira ía até à base do precipício e resolveu-se a começar a descer.

Em cima o tigre caminhava de um lado para o outro, olhando fixamente para o homem enquanto ele descia. Foi nesta altura que o homem viu o segundo tigre, a caminhar de um lado para o outro olhando para cima para o homem. Com um tigre acima e outro abaixo o homem aninhou-se na trepadeira em preparação para uma longa espera. Uma espera que acabaria com a desistência de um dos tigres para que pudesse escapar do outro.

Um pequeno movimento uns metros abaixo atraíram o olhar do homem que viu diversos ratos a roerem a trepadeira que suportava o seu peso. Não podendo fugir para cima nem para baixo, estava agora a ver a sua única escapatória, a espera, a desfazer-se também. Foi nesta altura que o homem viu uma pequena planta ao seu lado. Nessa pequena planta estava um morango. O mais bonito e vermelho morango que alguma vez ele tinha visto. Esticou o braço, colheu o morango e levou-o à boca. Mordeu-o e foi ali, entre dois tigres famintos, que ele teve a melhor e mais deliciosa, doce e suculenta refeição da sua vida.

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Mara, a domesticadora...

Lia-se a palavra circo no lado. O resto do nome estava ilegível do desgaste dos quilómetros na estrada. Ocupava o espaço todo daquele passeio e não deixava a camioneta da escola encostar. O condutor buzinou como forma de expressar a sua frustração de não conseguir mover aquele mastodonte estacionado. Da frente dos 15 metros rodados um gigante careca tatuado abre a porta e espreita para ver quem buzinava. Um desprezo no olhar como alguém que olha para o chihuahua a ladrar e tentar morder os calcanhares duma bota da tropa.

Berros, gritos, o som de pânico interromperam um olhar frio e calculista e outro de arrependimento. Dois tigres passeavam no passeio pouco incomodados com o incómodo, ou mesmo pânico, que estavam a causar. Não eram adultos, mas também já não eram pequenos. Eram intimidantes como um adolescente também o pode ser mas de uma forma, talvez, um pouco mais mortal. Mas havia algo de estranho nesta cena. Estes tigres tinham trela e uma coleira daquelas em colete como se de um Husky se tratasse, como se o trenó estivesse por perto. Um grito superior a todos os outros interrompeu os meus pensamentos. "Átila! Ivan! Aqui!". Todos os olhares se dirigiram à origem desta ordem que faria estremecer o soldado mais desobediente. Era Mara, a domesticadora de grandes felinos mais nova do mundo, como eu tinha descoberto há uns dias. Os tigres obedeceram e sentaram-se um de cada lado de Mara. Sentados, ambos eram mais altos que ela.

O homem grande tatuado apareceu detrás do camião com uma mochila Hello Kitty cor de rosa. Um contraste cómico, mas de que não me ousei rir. O senhor era Titan, o homem de ferro. Um gigante de 2 metros quadrados cujo tamanho fazia jus ao nome. Mais uma personagem que fazia parte deste circo, circo em mais sentidos que um. Titan baixou-se das alturas, pôs-se sobre um joelho numa viagem digna do nome e entregou a mochila a Mara, antes de começar a escalada novamente para os seus mais de dois metros de altura.

A pequena Mara era uma lutadora e a vontade crua via-se nos seus olhos. Nunca deixou que as suas deficiências interferissem com os seus sonhos, com os seus objectivos. "Não é uma deficiência, é um desafio" disse-me ela na primeira entrevista que tive com ela. Uma sabedoria pouco comum aos 8 anos. As suas cartilagens nunca se tinham desenvolvido de uma forma normal, e enquanto que algumas tinham solidificado não lhe permitindo dobrar muito os joelhos, por exemplo, nas ancas tinha de ter cuidado pois com relativa facilidade o femur se deslocava. Nunca querendo ficar agarrada a nada que a prendesse, batalhou por se locomover sem rodas. Os seus pais eram trapezistas exímios e o seu irmão seguia a tradição, mas Mara não podia como cedo descobriu. Encontrou refugio com o tio, que lhe ensinou a arte de treinar felinos e lhe passou o seu amor pelos animais. Mara era agora a domesticadora oficial do circo. Era também a sua grande atracção e espectáculo principal. Com apenas 8 anos, ordenava os grandes felinos com a autoridade de um General mas a bondade de uma Mãe. O público delirava ao ver uma criança dominar estes perigosos animais com que Mara tinha vivido a vida toda.

Adler, que significa Águia em Alemão, dirigiu-se a mim e cumprimentou-me distraindo-me de todo aquele espectáculo que se desenrolava à porta da escola. Agarrou-me a mão e levou-me para dentro. "Mostra-me onde tenho aulas" ordenou-me ele da autoridade das suas 5 primaveras. "Devíamos esperar pela tua irma" disse eu. "Não é preciso, o Átila segue o nosso cheiro" respondeu Adler, "Ele encontra-nos de certeza.", "Mas, mas os tigres vêm para a escola?" perguntei eu com medo da resposta e um certo de pânico do resultado se esta fosse positiva. "Mara não consegue andar sem eles, ela não gosta daquelas cadeiras com rodas. O Átila e o Ivan ajudam-na" respondeu-me ele calmamente. Olhou para mim e percebendo a minha preocupação mas não a compreendendo, diz-me com um ar de calma unicamente possível por alguém que vive fazendo piruetas a 20 metros de altura, "Não te preocupes, eles ainda são pequeninos". Sorri para não lhe mostrar a minha preocupação que sei que não entenderá. Oiço um tumulto atrás de mim e olho por cima do ombro para ver Mara sentada às costas de um tigre enquanto o outro segurava a porta atrás de si, Adler continuava a segurar a minha mão enquanto eu pausava para deixar o meu cérebro acreditar no que estava a ver...

Acordei. Fui ao meu ritual matinal enquanto imagens de tigres, trapezistas e circos fluíam nos meus pensamentos... como é bom sonhar.

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

a vida faz menos sentido depois de ontem

a vida faz menos sentido depois de ontem
a vida faz menos sentido depois de ti
beijei-te, segurei-te, acariciei-te
não chegou
o pensamento não chega
a vida faz menos sentido depois de ti
algo falta
o pensamento não chegou

o desejo de mudança
o desejo de que não fosse assim
o desejo que fosse assim, diferente
que tudo mudasse

a vida faz menos sentido depois de ontem
parece que o hoje já não faz sentido
a vida faz menos sentido depois de ti
depois de ontem ter esperado por ti
hoje é diferente

um dia
talvez
eu espero
eu desejo
eu peço
e tu?

a vida é feita de vontades

A vida é feita de vontades e hoje não me apetece. Não me apetece acabar a história que começei e que tem um fim triste. Não me apetece escrever o fim. Prefiro que não acabe já. Voltarei a ela, mas não hoje. Amanha. Um dia. Adiei escrever para que me apetecesse, mas a vida é feita de vontades e não me apetece. Recomeçarei a escrever. Porque me apetece. Escrevo porque sim.