sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

...um jantar diferente (parte 3)

Era um país onde ainda havia muito território cinzento no que tocava ás leis que regulam as novas tecnologias. Isto aliado a uma desenfreada procura de emprego por parte de imigrantes ilegais dava-lhe o alimento para fazer o seu negócio crescer. E que crescimento. Em 2 anos apenas era já considerado um dos maiores "manda-chuva" na sua área. Internacionalmente. De um quarto numa parte esquecida da cidade tinha passado para 3 casas e 3 edifícios na mesma parte esquecida da cidade. Aqueles negócios eram melhor mantidos nas partes esquecidas de uma cidade. Era mais fácil para os que beneficiavam do negócio, mas não podiam, fecharem os olhos quando as coisas se passavam nas partes esquecidas da cidade.

Ele tinha começado como cameraman. Ela como actriz. Tinham posto o filme na internet. Depois outro. E outro. E o site desenvolveu-se. E arranjaram compradores para os filmes. E foi o começo da entrada de dinheiro que nunca mais tinha parado. Juntaram-se a uma empresa internacional, mas só para aprender como funcionavam as coisas e como poderiam funcionar sozinhos. Se podiam funcionar sozinhos. Depressa contrataram mais actrizes, mais cameramans. A evolução era exponencial. Mal podiam acreditar de onde tinham vindo e, de repente, o que tinham. Estavam bem onde estavam. Ambos tinham mais do que alguma vez tiveram e ainda tinham-se um ao outro. Tinham o maior motor de fazer dinheiro. Estavam bem.

As gargalhadas altas obviavam o que copo de whisky cheio confirmava. Se o copo estava cheio seria pelo menos o segundo. Em 5 segundos apenas aquela sala daquele restaurante tinha perdido o romance e encanto que tinha tido 5 segundos antes. Um momento que apenas iriam partilhar um com o outro tinha sido invadido por um espectáculo que ambos preferiam não ver e muito menos ouvir. Enfim, pensou ele, é um local público e obviamente este casal tem todo direito de aqui estar, tanto mais que parece que conhecem todos os empregados ou pelo menos todos os empregados os conhecem a eles. O curiosos espetaculo visual que ela providenciava seria com certeza difícil de esquecer e muito menos confundir.

Ambos tentaram ignorar o casal com a criança e mergulharam nos pratos largos com as entradas. Era para comer que lá estavam, o espectáculo teatral era um extra. O espectáculo nos pratos era mais fácil de engolir. E que espectáculo. Nada inesquecível, mas estava tudo bom. Um pouco acima do que estavam à espera. Era a primeira vez que acompanhavam uma refeição com vinho do Chile. Não era mau, mas nada como um bom vinho do Douro, pensava ele. Longe de especialista, mas pelo menos sabia do que gostava. Já não era um mau começo.

Na mesa ao lado as conversas altas continuavam. As gargalhadas jorravam ao mesmo ritmo das tentativas do miúdo em ser engraçado. Fazia as palhaçadas dum miúdo de 12 anos e quanto mais fazia mais a mãe e o amigo se riam, quanto mais os adultos se riam pior o miúdo fazia. Um ciclo que se repetia a um ritmo que rapidamente esvaziou mais um copo de whisky. Rapidamente chegou outro para substituir aquele que já apenas continha gelo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

...um jantar diferente (parte 2)

O casal sentou-se à mesa. Ela, Nicaraguense, 29 anos, vinda do país vizinho em busca de uma vida melhor. Trouxe o filho, fruto de uma vida passada num país já distante na memória. Os primeiros anos naquele novo país tinham sido difíceis trabalhando nas encostas colhendo café a $2 o cesto. Era trabalho sazonal e não lhe dava o suficiente para viver com o filho de agora 12 anos e ainda pagar o "serviço" de travessia de fronteira e ilegal legalização dos dois. Mas esses tempos difíceis já estavam longe. Agora não lhe faltava nada, nem ao filho. Que longe que esses tempos lhe pareciam. Em apenas um ano passou de trapos e chinelos para colares e pulseiras de outro, brincos com brilhantes verdadeiros e anéis de esmeraldas e rubis. Era uma verdadeira miscelânea de pedras preciosas com metais raros. Calças exageradamente justas de padrão leopardo com anéis de ouro a prender as aberturas laterais revelavam losangos de umas pernas musculares e bronzeadas. Musculares como nenhum ginásio fazia, bronzeadas como nenhum solario podia. Eram as cicatrizes do trabalho duro de outros tempos. O top com o logotipo Channel mal lhe cobria os peitos avantajados que claramente desafiavam as leis de Newton. O casaco de cabedal decorado com prata e ouro embrulhava toda esta produção.

Parecia que ainda ontem o tinha conhecido na estrada junto à fazenda onde apanhava café. Tinha parado o carro depois de uma troca de olhares que nem meio segundo deve ter durado. O desespero nos seu olhos cor de café devia ser tão forte como eram as dores nos seus pés e pernas de trabalhar 15 dias seguidos, 11 horas por dia ou tantas horas quanto a luminosidade permitissem. Ao final do dia colhia o café junto à estrada onde a iluminação da estrada e os faróis dos carros lhe permitiam ainda ver o que fazia. Era final do dia quando ele tinha passado. Cruzaram olhos. As luzes traseiras acenderam e o carro parou. Ela chegou-se ao carro percebendo que se tratava de um gringo e pensando que este estava perdido. Em vez de uma pergunta recebeu uma oferta e um convite. Lágrimas encheram-lhe os olhos disse que não podia, que tinha um filho. Que o trouxesse também. Iam-no buscar agora se não estivesse longe, senão no dia seguinte. Largou ali o cesto de café quase cheio, abriu a porta do carro e nunca mais olhou para trás.

Ele, Dinamarquês, 41 anos. Rabo de cavalo e vestimenta simples. Calças Levis, t-shirt branca e uns ténis já cansados de marca incerta. Olhos azuis, sinceros, mas pouco reveladores. Frios até. Traços marcados na cara revelavam cansaço ou experiência. As feições dele inspiravam confiança, mas ao mesmo tempo caução. Parecia ser de confiança, mas ficava sempre a dúvida. Estava farto de um vida quotidiana. Desde miúdo que se dava com quem não devia. Eventualmente o que tinha feito e desfeito ao longo da vida tinha-o apanhado. Tinha de mudar de lugar e mudar de vida. Um ultimo "esquema" deu-lhe o que precisava para começar de novo. Arranjou emprego num barco que o levaria para longe, muito longe. Do frio do norte da Europa mudou-se para a humidade da America Central. Os seus conhecimentos na Europa e o seu talento para esquemas rapidamente o levou a abrir um negócio com o dinheiro que tinha trazido, e até mesmo com o dinheiro que ainda não tinha. Rapidamente foi acolhido e lhe deram os lucros que procurava a vida toda.

...continua, amanha ou depois...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Um jantar diferente...

Era o inicio da viagem e era tudo muito novo. Tinham chegado no dia anterior de madrugada e estavam ainda afectados de uma forma que uma viagem por 4 zonas horárias nos afectam. As horas locais e escuridão lá fora confirmava o que o corpo parecia desmentir, era hora de jantar. Durante o dia tinham passeado pela cidade e feito o que os turistas fazem com a diferença que quiseram ir a um restaurante tipico em vez dos sitios turisticos. Preferiam categorizar-se como viajantes e não apenas turistas. Queriam provar um pouco mais que apenas o "tour geral". Na conversa animada durante o almoço com o guia tinham recebido 3 ou 4 sugestões diferentes para o jantar. Tinham escolhido a que parecia mais diferente.

A viagem de taxi tinha sido inclinada e sinuosa, mas rápida. Em 10 minutos apenas tinham chegado ao ponto mais alto da cidade. Ponto alto marcado por uma igreja como que mostrando o desejo do homem estar mais perto de Deus. Ao lado da igreja estava o convento que marcava o destino para uma refeição que seria literalmente conventual.

O restaurante estava calmo. Seria caso para dizer que estava tão calmo como um convento se de facto não se tratasse de um convento. Como qualquer restaurante em que os donos e empregados eram monges. Estava na colina mais alta da cidade e tinha uma vista de cortar a respiração. Era noite e as estrelas acima confundiam-se com as luzes da cidade abaixo. Lembrava a vista da janela de um avião à medida que nos apróximavamos do aeroporto. As janelas aqui eram maiores que as do avião e sabiam aproveitar a vista que tinham. Havia ainda um jardim tão pouco iluminado como era muito romantico.

No ar pairava musica clássica vinda de um Grande Piano numa sala que não era aquela para que os levavam. O restaurante era dividido em salas com um máximo de cinco mesas por sala. Dava um ar ainda mais requintado e único ao restaurante, como se não bastasse tudo o resto. A sala para que os levavam estava suficientemente iluminada para se poder comer um peixe com muitas espinhas, mas não o suficiente para se falar confortavelmente em alta voz. Engraçado o efeito que a luz tem na sonoridade da nossa voz. A vela na mesa dava o toque final.

Cozinha requintada, mediterranica a que estamos habituados, mas num local pouco provavel ali entre o pacifico e o caribe. Os monges, vestidos a rigor, passeavam silenciosamente entre as mesas servindo ora vinho, ora água ora comida. Bifes de aspecto suculento apresentados com rigor decorativo dignos de um qualquer restaurante de luxo Europeu. Não é à toa que chamam à Costa Rica a Suissa da América Central. Tudo que os rodeava parecia prometer um evento gastronómico digno de memória.

Estavam sozinhos naquela sala. Os odores, o ambiente, a música, o requinte... tudo acentuava a sensação de romance que apenas uma viagem de lua de mel pode ter. Com as difíceis escolhas de entradas, pratos principias e vinho feitas podiam agora conversar e provar os pequenos pratinhos com couverts diferentes deixados pelo empregado de robe com capuz e cinto de corda. O vinho veio pouco depois e com ar entendido ele abanou a cabeça dizendo que sim ao vinho Chileno, já que segundo o monge, a produção vinícola Costa Riquenha é tão fraca quanto a de café é forte.

Chegaram as entradas trazidas pelo já familiar monge e com elas entrou mais um "irmão" à frente de um casal com uma criança. Era o final da intima solidão na sala. Tinham agora mais alguém com quem partilhar a experiência de um jantar sagrado no topo da cidade.

...continua amanha ou depois....