terça-feira, 6 de novembro de 2007

"Pode aguardar na sala de espera"

Aquela previsível e repetida frase típico de um consultório médico, neste caso médico dos dentes. Entrei na sala dominada pela voz da Júlia Pinheiro num programa qualquer da tarde que passava na televisão. Nas mesas aquelas revista velhas, usadas, rasgadas depois de folheadas pelos pacientes. Tenho a certeza que muitos folhearam para esquecer aquela dor que não dá para esquecer, a mesma dor que os levou àquela sala de espera. A mesma dor que me levava lá também.

Na sala estavam dois seres humanos. "Boa tarde" proferi delicadamente. "Boa tarde" respondeu-me a senhora ao fim da sala numa voz invulgarmente alta, quase afogando a voz da outra senhora que se encontrava mais próximo de mim e que disse um tímido "Boa tarde" também. Situação peculiar, mas que ignorei. Tinha trazido a minha própria revista e estava-me a apetecer ler. Dirigi-me para um dos cantos desocupados, aquele junto à janela e longe da televisão e sentei-me a folhear a minha revista.

Minutos passaram e entra uma enfermeira, ou auxiliar ou lá o que as chamam e disse "Dona Ana Maria". Levantou-se a senhora mais próxima da porta, a do boa tarde tímido, e seguiu atrás da enfermeira. A porta fechou-se, uns segundos passaram. Quando oiço a senhora do fundo da sala, do boa tarde invulgarmente alto, a dizer-me "Dou os parabéns aos seus pais pela educação que lhe deram, e a si por a cultivar" Fiquei a olhar, sem perceber. "Esta senhora que aqui estava" continuou a senhora do fim da sala, "entrou e nem uma boa tarde disse." Comecei a perceber a indignação da senhora "Há pessoas que devem tomar óleo de rícino antes de saírem de casa, e depois é assim, passam o dia enjoadas e mal dispostas" Sorri. Percebi. Agradeci o elogio, a mim e aos meus progenitores. Comentei que sim, acho que o mínimo quando se entra num espaço comum publico onde coabitam outros seres que se deve, ao menos, desejar um bom dia, boa tarde ou boa noite. Que achava que não é só uma questão de educação mas de civismo ou consideração também. A senhora do fundo da sala, nos seus setentas imagino eu concordou comigo.

"A minha filha, que é advogada em Lisboa" continua ela "teve uma situação muito desagradável com uma dessas pessoas que tomam óleo de rícino de manhã." Sorri novamente a esta classificação. "Aqui há uns tempos encontrou um antigo amigo da faculdade que já não via à muito. Encontrou-o à saída de uma reunião de trabalho e apesar da pressa de ambos, tiveram tempo para dois dedos de conversa e combinaram que da próxima vez que ela fosse para aquela zona lhe ligaria, com tempo, e tomariam um café para por a conversa em dia, e assim foi. Umas semanas mais tarde ela foi para ali novamente ligou ao amigo. O amigo disse que não podia sair do escritório naquele instante mas que tinha muito gosto em recebe-la no escritório. Ela que entrasse para a garagem do edifício e perguntasse ao segurança qual era o melhor elevador para o escritório dele" edifício grande pensei eu. "É ali na sede da caixa geral de depósitos, sabe?" diz ela lendo-me os pensamentos. "Sim, sei" disse.

"Pois ela assim fez e estacionou ao lado da entrada para o elevador."

"Entrou no elevador onde se encontrava um senhor, visivelmente apressado, olhando para o relógio e carregando no botão para fechar as portas mal a minha filha tinha entrado. A minha filha disse boa tarde ao qual não obteve resposta. Pensou que tinha dito muito baixo e levantou um pouco a voz e disse novamente: boa tarde, ao que o senhor, muito indignado olha para ela e diz: A senhora conhece-me de algum lado para me falar? Vejam se isto cabe na cabeça de alguém. O que vale é que a minha filha também não se deixou ficar, respondeu-lhe: com certeza que não nos conhecemos, pois a mim ensinaram-me a ser educada algo que claramente não aprendeu no bairro da lata onde cresceu" Ri com gosto a esta resposta.

"Realmente há pessoas..." disse eu

"Pois, veja lá isto. As pessoas hoje andam todas muito nervosas, com muita pressa. Não olham à volta, não reparam nos outros. Quase que não vivem." Continuou ela. "Cada vez há mais pessoas, cada vez as pessoas falam-se menos, ninguém tem tempo para nada"

"Pois é" retorqui eu "Devíamos ter sempre tempo para um café com um amigo, devíamos fazer tempo para estas coisas simples" Disse eu. "Não tenha dúvidas" disse a senhora Devia pelo menos haver tempo para um "boa tarde". Sem dúvida pensei eu em dizer, mas antes que o fizesse ouvi o meu nome da porta dito por uma senhora de branco. Sorri. Levantei-me. "Então uma muito boa tarde para a senhora" disse eu com um sorriso. "Boa tarde, boa tarde..." disse ela também com um sorriso.

3 comentários:

Tuaregue disse...

Acho q para a aproxima não vais dizer boa tarde pois não? lol

T. disse...

Oh esses encontros são tão genúinos! mesmo que na altura não dêm jeitinho nenhum!

ah e partilho o teu gosto ;)

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto, está muito bom. Gosto de saber que há gente que ainda escreve bem.