terça-feira, 20 de dezembro de 2005

...um jantar diferente (parte 2)

O casal sentou-se à mesa. Ela, Nicaraguense, 29 anos, vinda do país vizinho em busca de uma vida melhor. Trouxe o filho, fruto de uma vida passada num país já distante na memória. Os primeiros anos naquele novo país tinham sido difíceis trabalhando nas encostas colhendo café a $2 o cesto. Era trabalho sazonal e não lhe dava o suficiente para viver com o filho de agora 12 anos e ainda pagar o "serviço" de travessia de fronteira e ilegal legalização dos dois. Mas esses tempos difíceis já estavam longe. Agora não lhe faltava nada, nem ao filho. Que longe que esses tempos lhe pareciam. Em apenas um ano passou de trapos e chinelos para colares e pulseiras de outro, brincos com brilhantes verdadeiros e anéis de esmeraldas e rubis. Era uma verdadeira miscelânea de pedras preciosas com metais raros. Calças exageradamente justas de padrão leopardo com anéis de ouro a prender as aberturas laterais revelavam losangos de umas pernas musculares e bronzeadas. Musculares como nenhum ginásio fazia, bronzeadas como nenhum solario podia. Eram as cicatrizes do trabalho duro de outros tempos. O top com o logotipo Channel mal lhe cobria os peitos avantajados que claramente desafiavam as leis de Newton. O casaco de cabedal decorado com prata e ouro embrulhava toda esta produção.

Parecia que ainda ontem o tinha conhecido na estrada junto à fazenda onde apanhava café. Tinha parado o carro depois de uma troca de olhares que nem meio segundo deve ter durado. O desespero nos seu olhos cor de café devia ser tão forte como eram as dores nos seus pés e pernas de trabalhar 15 dias seguidos, 11 horas por dia ou tantas horas quanto a luminosidade permitissem. Ao final do dia colhia o café junto à estrada onde a iluminação da estrada e os faróis dos carros lhe permitiam ainda ver o que fazia. Era final do dia quando ele tinha passado. Cruzaram olhos. As luzes traseiras acenderam e o carro parou. Ela chegou-se ao carro percebendo que se tratava de um gringo e pensando que este estava perdido. Em vez de uma pergunta recebeu uma oferta e um convite. Lágrimas encheram-lhe os olhos disse que não podia, que tinha um filho. Que o trouxesse também. Iam-no buscar agora se não estivesse longe, senão no dia seguinte. Largou ali o cesto de café quase cheio, abriu a porta do carro e nunca mais olhou para trás.

Ele, Dinamarquês, 41 anos. Rabo de cavalo e vestimenta simples. Calças Levis, t-shirt branca e uns ténis já cansados de marca incerta. Olhos azuis, sinceros, mas pouco reveladores. Frios até. Traços marcados na cara revelavam cansaço ou experiência. As feições dele inspiravam confiança, mas ao mesmo tempo caução. Parecia ser de confiança, mas ficava sempre a dúvida. Estava farto de um vida quotidiana. Desde miúdo que se dava com quem não devia. Eventualmente o que tinha feito e desfeito ao longo da vida tinha-o apanhado. Tinha de mudar de lugar e mudar de vida. Um ultimo "esquema" deu-lhe o que precisava para começar de novo. Arranjou emprego num barco que o levaria para longe, muito longe. Do frio do norte da Europa mudou-se para a humidade da America Central. Os seus conhecimentos na Europa e o seu talento para esquemas rapidamente o levou a abrir um negócio com o dinheiro que tinha trazido, e até mesmo com o dinheiro que ainda não tinha. Rapidamente foi acolhido e lhe deram os lucros que procurava a vida toda.

...continua, amanha ou depois...

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