O sol ergueu-se como em todos os outros dias. A manhã começou e o despertador tocou umas horas depois. Ele acordou sentou-se no seu lado da cama e esfregou os olhos. Mais um dia. Olhou para o outro lado da cama onde ainda ontem tinha dormido a sua mulher. Agora a sua ex-mulher. Mais um dia. O dia anterior tinha sido complicado e tinha começado como este. Seria este mais um dia complicado? Olhou para a sua almofada de penas, companheira de longa data, já desde os seus tempos de solteiro. Entre noites sozinho ou acompanhado aquela almofada já tinha passado alegrias, tristezas e ansiedades. Aquela almofada já tinha passado mais tempo com ele do que qualquer outra coisa ou pessoa na sua vida. Endireitou a almofada, sorriu, levantou-se e dirigiu-se para a casa de banho.
Tomou banho como tomava todos os dias. Com a mente a ainda fervilhar com sonhos da noite dormida. Sonhos que se esqueceria assim que saísse da banheira. Pensava na vida, fazia planos enquanto fazia a sua rotina diária. Lavar dentes, barba, desodorizante. Via as unhas e inconscientemente tomava a decisão se era dia de corta-las ou não. Com o ritual completo olhou-se ao espelho para por fim endireitar o cabelo desarrumado pela toalha. Estava cansado. Via-se na cara que estava. O dia anterior tinha sido complicado. Nunca é fácil dizer a alguém que já não a amamos, quanto mais quando essa pessoa não está à espera de tal afirmação. Pensou que se ele estava neste estado, como estaria ela? Resolveu não pensar nisso.
A vida tinha-os afastado e parecia que só ele é que tinha dado por isso. Há muito que faziam vidas separadas. Não conseguia determinar o ponto exacto em que tinha acontecido, porque talvez o ponto não existisse, mas tinham deixado de contar um com o outro para o que quer que fosse. Aos pouco tinha deixado de a amar. Viver sem amor não fazia sentido. Inconscientemente ou conscientemente, quem sabe, as suas diferenças tinham-nos separado. Ele sabia que haveria sempre a dúvida se ele teria outra, mas não tinha. Pelo menos ali naquele presente. Naquele presente havia apenas as diferenças que os tinham separado e o vazio que já havia à muito tempo.
Não estava em condições para ir trabalhar, mas também não estava em condições de não ir. Actividades não lhe faltavam, mas o trabalho era agora o que o ocupava mais. Longe estavam os tempos em que trabalhavam ambos no mesmo sítio e se viam todos os dias, várias vezes ao dia. Falavam ao telefone. Almoçavam juntos. Era algo em comum, mas até isso acabou. Ela ficou mas ele não. Ele mudou. Ele seguiu os sonhos e ela não. Ela tinha sido fulcral na decisão dele. Lembrava-se agora das palavras de incentivo que ela lhe deu quando as dúvidas o assolavam. Ela incentivou-o a seguir os sonhos sem se aperceber que ela ficaria para trás. Ele tinha içado a vela e afastava-se do porto de abrigo enquanto ela, de ferro na água, rodava a proa rumo ao vento que mudava, mas não saía de onde estava.
Vestiu-se, pôs as velhas botas pretas agarrou no capacete e saiu de casa. Da garagem tirou a mota, puxou o ar, carregou no arranque e pegou à primeira rotação do motor com uma fiabilidade que a vida não tinha. Se tudo fosse tão fiável como a sua mota. A vida era um tédio, pensou sorrindo. Colocou o capacete, apertou o casaco, calçou as luvas, engatou a primeira e arrancou.
Diário de bordo 6346...
Há 8 anos
1 comentário:
Olá
Estou a gostar da historia..
Tens é que ter mais tempo para a continuar. E cuidado, o principio está fixe, mas com este tema, ñ te podes deixar cair na banalidade ;)
Beijos
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