Era uma vez uma velha muito velhinha como só as velhas velhinhas o são. Como todas as velhinhas nas histórias de "era uma vez", ela vivia na floresta sozinha. Porque vivem as velhinhas muito velhinhas nas florestas é algo que um dia será explicado mas certamente não hoje. Ora esta velha muito velhinha ao contrário da prima direita que também ela era velha muito velhinha, não era avó e não tinha, por isso, uma netinha que lhe trouxesse um cestinho com comida. Lá tinha a velha muito velhinha de ir à vila fazer as compras para a semana se não quisesse fazer uma dieta forçada.
Para não fugir ao que é típico nestas histórias, é agora altura de falar no lobo que também habitava a floresta e que procurava a todas as alturas comer a velha muito velhinha. Note-se que o autor não se refere a gerontófilia quando se refere ao lobo que queria comer a velhinha, mas sim falamos no lado gastronómico. Com tanto coelho e outros animais da floresta é um mistério porque razão os lobos preferem as velhinhas nestas histórias de "era uma vez". Talvez fosse uma tendência de família já que o primo em segundo grau deste mesmo lobo tinha já comido uma velhinha numa vila vizinha, mas a coisa não correu muito bem pois a netinha da velhinha salvou a sua avózinha da barriga do lobo.
Adiante, a velha muito velhinha, ia alternando os dias que ia à vila para as compras da semana para não criar uma rotina que o lobo pudesse prever. Era uma velhinha espertinha portanto. Ora calhou que esta semana fosse à vila na quarta-feira. Saiu de casa de cesto em mão pronta para as compras da semana. Prometeu a si própria que da próxima vez que fosse à cidade compraria um daqueles "trolleys" com rodinhas para ir às compras que isto dos cestos é muito bonito, mas verdade seja dita, muito pouco prático. Acartar com as compras todas ao braço podia até ser prejudicial para a postura da velha muito velhinha mas até agora muito direitinha.
Saiu de casa com os devidos cuidados para se certificar que o lobo não estava presente. Verificou as webcams com sensores de movimento que tinha espalhado pela floresta e confirmou que o lobo não se encontrava por perto. Afinal de contas, velha velhinha, mas muito moderninha. Tinha todos os métodos mais modernos de segurança e prevenção de intrusos. Não era à toa que o lobo ainda não tinha caçado a velhinha. Rumou direcção à vila pelo caminho que fazia todas as semanas. Chegando à vila foi de loja em loja comprando o que lhe faltava em casa.
Foi à loja do Sr. Manel do talho e comprou as belas bifanas. O Sr. Manel ainda lhe tentou vender a picanha argentina, mas a velha muito velhinha dizia que não gostava dessas modernices. Carninha boa é da nossa, das nossas vaquinhas e porquinhos. Mal sabia ela que as febras que comprava tinham vindo de Espanha, mas também não foi o Sr. Manel que a alertou para o facto. Ao lado era a loja da D. Ermelinda que tinha os melhores legumes daquela vila e arredores. Crescia-os ela própria numa estufa que tinha feito com o que restou de um subsidio da comunidade europeia. Ao contrário do marido que lhe tinha fugido com uma loira espampanante depois de ter gasto metade do subsidio num Ford Escort 1.2 Gti descapotável. Dizem que ficou sem gasolina na vila mais próxima e que a loira agora lhe azucrinava o juízo todos os dias. Era bem feito pensava a D. Ermelinda
Foi quando chegou à loja de fruta do Sr. António que era ele também um velho muito velhinho. Enquanto escolhia uns alperces com um aspecto delicioso, o Sr. António a alertou-a para o que ia estragar um belo dia de compras. O lobo estava à espera da velha muito velhinha nas esperança de lhe fazer uma emboscada e finalmente satisfazer os seus desejos gastronómicos e um pouco fetichistas. A velha muito velhinha ficou muito enrascadinha sem saber o que havia de fazer. O Sr. António prontamente lhe ofereceu dormida, pois desde que sua Sra. Dona Aida tinha falecidoo que ele dormia com os pés frio à noite. A velha muito velhinha agradeceu a oferta mas descuplou-se que tinha deixado uns downloads em curso e que se não chegasse a casa antes de terminarem as happy hours iria pagar uma fortuna por ultrapassar os limites. O Sr. António entendeu perfeitamente e pensou em informar a velha velhinha que havia uns programas que tratavam disso automaticamente, mas achou que agora haveria assuntos mais importantes para resolver: nomeadamente a questão do lobo e do seu fetiche gastronómico.
Após alguns minutos de preocupação foi o Sr. António que apresentou uma solução. "Já sei" disse ele "e se a a escondêssemos dentro de uma cabaças e a rebolássemos até casa?" Ora mas que bela ideia. Chegaria um pouco tonta a casa, mas nada a que não estivesse habituada desde que tinha comprado aquele distilador da ultima vez que foi à cidade. Era conhecida por fazer a aguardente mais potente da vila e arredores. Não eram umas voltas de cabaça que lhe iam fazer mal.
Dito e feito, e após algum trabalho a retirar o interior da cabaça lá conseguiram caber a velha muito velhinha que era também muito pequenina dentro da cabaça que de pequenina não tinha nada. Agarrou-se às compras que tinha feito e o Sr. António fechou a cabaça o melhor que pôde e reboulou a cabaça até à porta. Cuidadosamente apontou a cabaça em direcção à casa da velhinha que para além de ser em linha recta era também e declive até à sua porta. A cabaça começou a rodar, primeiro lentamente e devagarinho a ganhar velocidade. O Sr. António via cá de cima com um orgulho bestial a sua apontaria pois parecia que a direcção era perfeita.
Quando a cabaça ia já a meio caminho saiu o lobo de trás de uns arbustos e correu atrás da cabaça. Nesta altura o Sr. António pôs as mãos à cabeça pensando que iria perder uma cliente e a esperança que um dia a velhinha muito velhinha um dia lhe aquecesse os pés nas noites frias. O lobo correu e correu e quando estava ao lado da cabaça virou-se para a cabaça e perguntou: "ó cabaça cabacinha, tu que vieste da vila, não lá viste uma velha muito velhinha?"
Aqui talvez seja o momento ideal para fazer uma pausa e relembrar o leitor que isto é uma história "era uma vez". Neste tipo de história, independentemente da esperteza ou falta dela do lobo em questão, as cabaças podem falar com a mesma facilidade com que o lobo falava. Apesar de ser mais habitual os lobos falarem, nada impedia que a cabaça pudesse responder ao lobo com a mesma naturalidade com que este esperava uma resposta.
A velha muito velhinha rolava monte abaixo enfiada na cabacinha. Achou que o lobo iria estranhar se a cabaça não lhe respondesse e então ela arriscou uma resposta "Corre corre cabacinha, corre corre cabaçona, não vi velha nem velhinha nem velhinha nem velhona". E o lobo inicialmente desapontado resolveu perguntar novamente "O cabaça cabacinha, tens mesmo a certeza que não viste uma velha muito velhinha?" Respondeu a velhinha pela cabaça novamente "Corre corre cabaçinha, corre corre cabaçona, não vi velha nem velhinha nem velhinha nem velhona". Apesar de desapontado o lobo ficou satisfeito com a resposta e desacelarou o seu passo deixando a cabaça prosseguir o seu rumo.
O Sr. António na vila pulava de felicidade ao ver o lobo afastar-se da cabaça. O lobo ficou a ver a cabaça a rolar em direcção da casa da velha muito velhinha. A cabaça rolava e rolava e rolava até que chegou a jardim da velha velhinha, atropelou as rosas que a velha muito velhinha tratava como muito amor e carinho, e parou mesmo à porta. Saltou a tampa da cabaça e de lá dentro saiu a cambaleante velha muito velhinha... olhou para trás viu o lobo a meio da colina com um ar mais surpreso do que faria qualquer um de nós se uma cabaça nos respondesse a uma pergunta feita. Abriu a porta e entrou em casa com as compras da semana. Missão cumprida, para a semana há mais.
Diário de bordo 6346...
Há 8 anos
2 comentários:
Andava eu aqui a pesquisar sobre a história da velha da cabacinha e eis senão quando me deparo com esta versão :))))))))
Tá gira ...mas sinceramente a tradicional ainda vale o que vale...ou seja ..pra mim vale muito.
De qq das maneiras parabéns..tá gira.
Vim cá parar da mesma maneira que o(a) comentador(a)anterior.
Parabéns! Uma versão muito divertida da Cabaça, Cabacinha! Actualizar as histórias tradicionais, porque não?
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